Compartilho a entrevista abaixo com o autor do livro "Sociedade dos filhos órfãos". As afirmações são pertinentes diante da situação em que nossa sociedade se encontra.
Ressalto um dos trechos da entrevista, em que o autor fala sobre a adolescência imatura.
Muitos são os casos de pais que negligenciam a educação e o tempo com seus filhos, esquecendo que a infância e adolescência são fases rápidas na vida de qualquer pessoa.
Ou seja, ser pais presentes e conscientes de suas responsabilidades não é uma tarefa fácil, porém é o caminho mais eficaz de educar as crianças em época própria - quando elas ainda estão em fase de formação da personalidade e razão.
O trabalho é grande por pouco tempo, e esta é a lógica. Ao contrário da mentalidade permissiva, onde os pais entendem que amar é dar tudo que o filho quer e não percebem que esta prática resultará, na grande parte dos casos, em um adolescente perpétuo, mesmo sendo ele um adulto. E consequentemente o trabalho será para o resto da vida!
“Para dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado”
O
escritor Sergio Sinay, 66 anos, é um especialista em vínculos humanos.
Sociólogo e jornalista, formou-se na Escola de Psicologia da Associação
Gestáltica de Buenos Aires. Requisitado consultor sobre assuntos
familiares e relações pessoais, tem vários livros publicados. O mais novo,Sociedade
dos Filhos Órfãos, que acaba de sair em português (Editora BestSeller), é
uma dura crítica ao modo de vida da atualidade, em que pais delegam a educação
e a atenção aos filhos para babás, escolas e até para as novas tecnologias –
como celular, televisão e computadores. Esse comportamento transmite aos filhos
a noção errada de que basta ter dinheiro para encontrar quem se encarregue
daquilo que nos cabe fazer, afirma Sinay, em seu livro.
Casado
e pai de um jovem, Sinay diz que o amor é uma construção contínua que se
fortalece diariamente com responsabilidade e comprometimento. “Para dedicar
tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado”. A seguir trechos da
entrevista concedida ao Mulher7x7.
Mulher7x7-
Há uma geração de filhos sem pais presentes nascendo ou ela sempre existiu?
SERGIO
SINAY –
Sempre houve pais que não assumem responsabilidades e sempre haverá. Mas nunca
houve como hoje um fenômeno social tão amplo e profundo a ponto de criar uma
geração de filhos órfãos de pais vivos. Pela primeira vez podemos dizer,
infelizmente, que os filhos com pais presentes que cumprem suas funções são uma
minoria.
Vivemos
numa cultura do utilitarismo, em que se busca o material a qualquer preço e por
qualquer caminho. As pessoas se medem pelo que possuem e não pelo que são. Os
pais correm atrás do material e descuidam de seus filhos que, por sua vez,
aprendem a valorizar apenas o bem material. Essa é a fórmula para criar filhos
materialistas.
Em
vários trechos do livro, o senhor diz estar convencido de que muita gente
ficará irritada com o que está escrito. Por quê?
Porque
muita gente não gosta de escutar ou ler o que precisa, apenas o que gosta. Os
pais de filhos órfãos, em sua maioria, não admitem sua própria conduta e
acreditam que ser pai e mãe consiste em comprar coisas para os filhos,
matriculá-los em escolas caras, dar celulares e computadores modernos.
O
senhor relaciona o fracasso dos pais na educação dos filhos ao medo que eles
têm da reprovação infantil. De onde vem esse medo e como fugir dessa armadilha?
O
medo vem de uma cultura que transformou as relações humanas em transações
comerciais. As pessoas se enxergam como recursos ou clientes. Os pais
tratam de comprar o amor dos filhos e temem que o cliente não esteja contente.
O carinho dos filhos não se compra. Amor se constrói com presença, atitudes e
assumindo a responsabilidade de liderar o caminho dessa vida em direção à
autonomia. Para isso, há que se estabelecer limites, marcar as fronteiras,
frustrar. Criar e educar é também frustrar, ensinar que nem tudo é possível. Só
assim se ensina a escolher. E só quem escolhe pode ser livre. Os pais, no
entanto, têm medo de não ser simpáticos, então se esquecem de ser pais, que é o
que os filhos precisam.
Ao
se referir ao modelo do passado, em que as mães eram o retrato do sacrifício, e
os pais, da disciplina ainda que com distância emocional, o senhor diz que
todos sabiam seu papel, algo não acontece hoje. Aquele modo de educar era de
alguma forma melhor?
Aquele
modo de educar tinha muitas limitações e era muito rígido em muitos aspectos.
Mas se sabia claramente quem eram os pais e quem eram os filhos. Os pais não
tinham medo de atuar como pais, ainda que às vezes cometessem excessos em sua
autoridade. Mas é sempre mais fácil corrigir um excesso do que superar uma
ausência. Alguém pode mudar um modelo pobre ou insuficiente. Muito mais grave é
não ter modelo.
Ao
abordar o problema de jovens envolvidos com drogas e violência, o senhor diz
que a solução é os pais terem mais controle sobre o que eles fazem e onde vão.
Como não resvalar para a superproteção?
A
infância e a adolescência são etapas muito breves da vida e necessárias para o
amadurecimento biológico, psíquico e cognitivo. Seremos adultos a maior parte
da nossa vida. A adolescência termina entre os 18 e os 19 anos. Quando os pais
são ausentes ou não cumpriram suas funções, vemos adolescentes imaturos de 30
ou 40 anos. Se os pais pegam no leme do barco, e realizam esse trabalho com
amor, ao fim da adolescência, seus filhos serão pessoas com ferramentas para
caminhar pela vida. Terão muito por aprender ainda, mas terão boas bases e um
bom sistema imunológico contra os principais perigos sociais. Os limites do
controle vão mudando com a idade dos filhos e vão se flexibilizando até
desaparecer por completo. Para saber quando e como modificá-los, há que estar
presente.
Ao
propor que os pais busquem interagir com outros pais para a realização de
programas em comum e conversas que afinem experiências e atitudes, o senhor
está sugerindo que educar é, de alguma forma, uma obra coletiva?
Educar
é uma missão intransferível de quem, biologicamente ou por adoção, criou um
vínculo de maternidade e paternidade. A responsabilidade é sempre individual.
Conversar com outros pais e empreender projetos comuns, ajuda a afirmar a
tarefa e permite a troca de experiências úteis.
Nas
grandes cidades, em que muitos pais sequer comparecem às reuniões na escola,
não é uma utopia propor essa interação entre os pais?
Sem
utopias, não se avança. E se cruzarmos os braços, perdemos a batalha. Muitos
casais responsáveis e amorosos se sentem sozinhos, não concordam com o que vêem
outros pais fazendo e seguem adiante com suas convicções. Por isso, há que
falar e propôr interação, dizer a eles “vocês estão num bom caminho”,
compartilhem isso. Quando esses pais começarem a falar descobrirão que muita
gente pensa assim também, mas estava em silêncio.
É
o caso de uma família evitar certos círculos de pessoas e lugares, e até
cidades, se achar que a vida do filho está indo pelo caminho errado?
Não
se pode ter medo de tomar decisões, dizer não, proibir certas relações
perigosas. Os filhos vão protestar, tentarão transgredir. Isso não é um
problema, é parte do processo. Os filhos sempre buscarão transgredir para
crescer. O problema é quando os pais viram o rosto, olham para o outro lado,
não estabelecem limites ou têm medo dos filhos. Ser pai com amor e presença não
significa converter-se em uma pessoa simpática, em um animador de televisão. Às
vezes, há que se tomar medidas duras.
O
senhor diz que muitos pais usam a suposta importância da qualidade do tempo ao
lado do filho para justificar a ausência. O que é qualidade de tempo com o
filho, na sua opinião?
Não
há qualidade sem quantidade. Em qualquer tarefa para alcançar qualidade é
preciso tempo, compromisso, dedicação. O famoso “tempo de qualidade” de que
falam muitos pais – e que inclusive tem o apoio de pediatras e psicólogos
infantis – é uma desculpa para que os pais não se sintam culpados. Os pais são
adultos e um adulto sabe que na vida não se pode tudo. Há que optar. Para
dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado. O “tempo de
qualidade” são cinco minutos nos quais os pais culpados dão tudo aos filhos
para evitar o conflito. Isso faz muito mal aos filhos. Se não há tempo, não há
qualidade. E se não há tempo para os filhos, é preciso pensar antes de se
tornar pais. Depois é tarde.
Mas
muitos pais não escolhem seus horários, o tempo que perdem no trânsito e, por
falta de opção, ficam menos com os filhos do que gostariam. O senhor não acha
que os filhos aprendem a diferenciar os pais que nunca estão porque não querem
dos pais que não estão porque não podem?
A
responsabilidade de ser pais nos obriga a fazer escolhas. É verdade que os pais
são demandados por muitas atividades. Mas eu pergunto “são todas
obrigatórias?”. Muitas vezes, trabalha-se demais para pagar o que não é
necessário. Ser pai e mãe é uma oportunidade para aprender a diferenciar os
desejos das necessidades. É uma oportunidade para aprender a diferenciar o que
a publicidade vende do que realmente precisamos. Tudo que requer nosso tempo é
imprescindível? Podemos trabalhar menos enquanto criamos os filhos pequenos? É
possível dividir melhor o tempo entre pais e mães? Por que tem que ser sempre a
mãe a que duplica suas tarefas? Por que podemos dizer “não” ao tempo que nossos
filhos exigem de nós em vez de dizer “não” aos outros? Se os pais têm sempre
tempo para suas obrigações e nunca para seus filhos, os filhos aprendem que essas
outras coisas (trabalho, reuniões, encontros sociais, esportes etc) são mais
importantes do que eles porque nunca podem ser adiados. Não é obrigação dos
filhos compreender os pais (ainda mais quando são pequenos). É obrigação dos
pais atender às necessidades dos filhos.Por isso é preciso pensar antes de ser
tornar pai e mãe.
O
senhor critica também a estratégia de entreter as crianças com DVDs em viagens
para elas ficarem quietas. Vemos esse comportamento da não-interação se
estendendo à mesa de restaurantes, festas. Onde está o erro dessa atitude?
Ser
pai e mãe é um trabalho. Não se pode delegar esse trabalho às novas
tecnologias. Essas tecnologias muitas vezes nos conectam mas nos tornam
incomunicáveis. Isso se vê especialmente nas famílias, onde todos têm celulares
e computadores, mas não mantêm diálogos nem proximidade.
O
senhor diz que escola não educa, ensina. O que não se deve esperar da escola?
Educar
é transmitir valores por atitudes, vivendo os valores que pregamos. Educar é
ensinar que as pessoas são o fim, e não o meio, algo que se passa por vínculos.
Educar é transmitir a certeza de que cada vida tem um sentido e há que viver a
busca desse sentido. Isso é educar, é o que fazem os pais com presença, ações e
condutas. A escola é a grande socializadora que ensina a viver a diversidade e
a respeitá-la, que treina habilidades para viver e atuar no mundo, que dá
informação vital sobre esse mundo e que é uma ponte para ele. A escola e os
pais são sócios, não podem se separar, nem se enfrentar. Tem que atuar de um
modo cooperativo. Os filhos são alunos da escola, não clientes. A escola não é
um parque de diversões, nem creche, nem shopping. A escola não pode fazer a vez
do pai e da mãe. Os pais não podem pedir à escola que ocupe o lugar que eles
deixam vago. Pais que não respeitam as escolas ensinam seus filhos a não
respeitar as instituições.
Que
mensagem o senhor daria para os pais que, sem perceber, estão deixando os
filhos de lado acreditando estarem fazendo a coisa certa?
Eu
os recordaria que ser pai e mãe foi uma escolha. Em pleno século 21, quem não
quer ter filhos não tem, de modo que não há desculpas. Quem tem filhos tem
responsabilidades sobre uma vida. Essa vida precisa de respostas. E diria que
só há uma maneira de aprender a ser pai e mãe: convivendo com os filhos,
estando presentes em suas vidas, errar, pedir desculpas, reparar o erro e
seguir adiante, sempre com responsabilidade e presença.
Em
seu livro, o senhor deixa claro que educar é um processo contínuo que exige
envolvimento e dá trabalho, mas é fato que muita gente opta por soluções
fáceis. Que soluções fáceis devem ser postas de lado?
Filhos
não vêm com manual de instruções. Cada filho é uma pessoa única. Por isso não
há soluções fáceis nem receitas. Nossos filhos nos ensinam a ser pais. Querer
que um pediatra, um professor, um psicólogo, a televisão, a internet, uma babá,
os avós ou a escola se encarregue dos filhos é buscar uma solução fácil. Pais
que procuram esse tipo de solução provam que o problema são eles, e não os
filhos. Os filhos nunca são o problema. O grande e maior problema (vício em
drogas, alcoolismo, violência juvenil, acidentes de carro, comportamento de
risco, doenças novas como obesidade infantil ou déficit de atenção, entre
outros) não está nos filhos, nas crianças ou nos adolescentes. Estão nos pais.
É
possível impor limites sem ser chato?
Aquele
que impõe limites não recebe sorrisos nem aplausos, mas assume
responsabilidades e logo colherá frutos.
O senhor afirma que o amor é uma construção. O senhor acredita em amor incondicional?